domingo, dezembro 09, 2007

Livre-tradução, busco

por Escher


Desenhamos máquinas,
para desenhar computadores,
para desenhar máquinas,
para desenhar computadores,
para não desenharmos mais?!?



Vozes da Seca





O 'Velho Lua', o Rei do Baião




Seu doutô os nordestino têm muita gratidão
Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão
Mas doutô uma esmola a um homem qui é são
Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão
É por isso que pidimo proteção a vosmicê
Home pur nóis escuído para as rédias do poder
Pois doutô dos vinte estado temos oito sem chover
Veja bem, quase a metade do Brasil tá sem comer
Dê serviço a nosso povo, encha os rio de barragem
Dê cumida a preço bom, não esqueça a açudagem
Livre assim nóis da ismola, que no fim dessa estiagem
Lhe pagamo inté os juru sem gastar nossa coragem

Se o doutô fizer assim salva o povo do sertão
Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação!
Nunca mais nóis pensa em seca, vai dá tudo nesse chão
Como vê nosso distino mercê tem nas vossa mão



Composição: Luiz Gonzaga / Zé Dantas




Extraia o sumo: CD Luiz Gonzaga e Fagner ABC do Sertao 1988





PS: já faz muitos anos que o 'Velho Lua' escreveu isto...

mas parece que foi ontem...

sábado, dezembro 08, 2007

Jardins de Iemanjá




por Julio Kon







E conta que Caminha avisou ao Rei:



"Aqui se plantando tudo dá".



E no mês de fevereiro



Há jardins de flores no mar



São os jangadeiros do Rio Vermelho,



Os jardineiros de Iemanjá





Inspirado em Jorge Drexler

Mestre Marçal









Mestre Marçal, um dos pais do samba. Conta-se que um dia foi ao hospital fazer exames do câncer de pulmão que acabou matando-o. Tirou a dentadura para fazer os exmaes de raio-x, e acabaram perdendo-a. Na saída ele disse para as enfermeiras:


"mas eu não posso sair daqui sem o meu sorriso".





Acharam a dentadura depois, numa caixa de sapatos.


Extraia o sumo: CD Mestre Marçal, TV Cultura Programa Ensaio


Yin Yang




From a successful Chinese man:

Six wonderful attitudes that I learned from Chinese and Western cultures:


Tolerance & Proactivity
Humility & Self-confidence
Empathy & Courage


Food chain, reversed


O rato disse ao gato que avissasse ao cão:

não venhas ter comigo, meu coração frio há de te fazer mal.


O cão retrucou ao gato que fez saber ao rato:


e o meu é quente, há de bastar para nós dois.


Do parador, o gato viu os dois partirem juntos rumo ao infinito.

Peter Drucker





Peter Drucker, one of the most insightful minds in a very long time:



The 21st century will be the century of choices, (… not the century of the internet).




The best way to predict the future is to create it.


Plus Ultra




Passou muito tempo mas descobri que o mundo é de fato redondo. Ainda bem, antigamente devia dar um medo danado viajar longe de casa, atravessar mares que podiam acabar a qualquer instante.

Macchapputre





Macchapputre, the son,

embraced by Annapurna, the mother.
Segundo a crença nepalesa

Once upon a time, at a mountain in Nepal





From Setu, a holyman:


You are very lucky to be here. This is a heavenly place. You should be thankful to be here. Because of your parents and ancestors you are able to be here today. So, be also thankful for them.
* * *
You need to be respectful to women. Treat your wife, your girlfriend, with the same respect as if she was your mother. There is reincarnation. Sometimes mothers return as girlfriends. You never know, so respect them.
* * *
It begins with one man, one heart, and one woman, another heart. Then, they meet, they fall in love, they marry, and two hearts become one. Then a child borns, and it becomes two hearts again. And the cycle of life continues.

* * *
Wise man is good man, but not the best man.

Livre-tradução, busco






Becos escuros.
Chuva fina.
Casa em demolição.
Pistas esburacadas.
Perdido.
Frio.
Com medo.
Nas calçadas, cães dormindo e ratos acordados.

Alma Feminina


By LalliSig


Quanto mais conheço,
menos entendo,
e mais admiro.
Duvido,
Que conhecerei menos,
que entenderei mais,
e que admirarei menos.

Nus







by Lauren Rabbit





Osso expostos.



Vísceras, veias multicolores, órgãos ali abertos de frente aos olhos curiosos.



Tudo devidamente codificado, etiquetado, à vista, organizados em vitrines.



Ali mais à frente uma delas guarda nosso couro, vazio de nós mesmos.



O que sobrou, desnudo de nós mesmos.


sexta-feira, dezembro 07, 2007

Felizes no Nepal




आनंद
anand, felicidade

आनंदी
anandi, feliz
Quiçá um jeito diferente de ser feliz.


Groene ogen


by Tristan Savatier


Old wishes, antique desires.
Green gems.
The background, red veins.
The frame, your eyes.

quinta-feira, dezembro 06, 2007

Fusion cuisine: às vezes dá certo, às vezes não... (1)

Ok, reconheço que já se passaram vários anos desde o dia que minha mãe me mostrou a luz do dia; tarde de sol em Brasília, diga-se.

Volta e meia me encontro falando de coisas do 'meu tempo'. Haja vista que 'meu tempo' continua a ser meu, bem-vivido, creio. Todavia, algumas primaveras já se passaram, admito.

Não obstante anseio pelas vindouras. É como costumo dizer nos meus encontros soteropolitanos de verão: este carnaval foi bom demais! Melhor do que este só o do ano que vem.

Mas como eu dizia... no 'meu tempo' chamava-se de mistureba. Hoje é mais polido falar de fusion cuisine. Mas como já avisava a cultura popular: às vezes dá certo, noutras vezes...

Um dia misturaram farinha, dendê, cebola e castanha-de-caju (suponho que o camarão seco veio depois...), e inventaram o vatapá. O qual, imagino, tenha significado literalmente: "vá tapar a tua fome com estes únicos restos que tenho na cozinha".

Adoro cozinhar peixes com frutas cítricas, e farofa de milharina com maracujá, que são sempre sucesso.Todavia, felizmente, imagino, nunca vi acarajé de brigadeiro, e só de imaginar...

quarta-feira, novembro 28, 2007

Fusion cuisine: às vezes dá certo misturar, noutras vezes… (2)


Ou foi o sol no caminho de volta, ou foi o pepino no caminho de baixo. Fato consumado, é que passado quarenta anos desde aqule fatídico dia o 'Velho' não podia nem olhar para o dito sem ânsia de vômito. E logo ele que gabava-se à mesa de "comer de tudo", ou melhor, quase tudo.

É como eu dizia, às vezes dá certo misturar, noutras vezes…

Para alguém que como ele julgava fatada de bode, ou salmão defumado, iguarias únicas, a pecha do pobre pepino soava grotesca.

Empunhando a curiosidade ímpar e sagacidade que possuem as crianças, lancei ainda cedo o questionamento ao ‘Velho’ sobre o porquê da birra contra aquela inocente leguminosa de sabor tão delicado.

Entre várias caretas ele me contou a paródia. Adolescente, morava no interior da Bahia. Era festa do padroeiro da cidade. Decidiu, junto com os amigos, caminhar até a fazenda do pai, e voltar com alguns cavalos para participar do desfile. Depois de algumas horas de caminhada, debaixo do sol sertanejo que por aquelas bandas alcança, e sobre a areia que consome um pedaço mais cada vez que o pé afunda, uma combinação maldita, frisou, chegaram à fazenda. Para quem tinha a esperança de encontrar a mulher do caseiro, e uma galinha gorda que aplacasse a fome, a visão da casa fechada e vazia foi trágica. Arrombada a porta só encontraram banha, sal, farinha, e o tal do pepino. Enquanto alguns buscavam os cavalos e cuidavam das selas, o ‘Velho’, que já era dado a cozinheiro desde aquele tempo, ficou por ali mesmo misturando no fogão de lenha o pouco que havia. Pronta a gororoba, se puseram ávidos a ingerir aquilo que acalmaria a fome trucidante. E assim foi feito, até o último pedaço.

No caminho de volta ainda podiam contar com o sol sobre a cabeça, mas salvavam-se os pés, ora substituídos pelas patas eqüinas. Quando alcançaram a cidade, ansiosos por um banho, e uma farda bonita para o desfile, despediram-se. E cada um para o seu lado seguiu, com vistas a encontrarem-se mais tarde à frente do desfile.

Bem, este era o plano, sussurrou o velho, enxugando o suor da testa, trazido pela lembrança amarga. Conseguiu chegar em casa ainda a tempo de alcançar o banheiro. Poderia ter sido mais humilhante, imagine só a cena ainda piorada de calças com aquelas manchas inconfundíveis que por vezes juntam-se ali pelas costuras e dobras, grifou ele. Horas, e dias, se seguiram àquele martírio inicial. Epasmos, contrações, dores, suores, tonturas, febres etc, dava quase um compêndio médico a ladainha. Ora por vias gástricas abaixo, ora pelas vias superiores, fato é que quase nada sobrou naquele corpo magro ao fim dos dias de sofrimento.

Com o tempo conseguiu recuperar-se da paúra da farinha, banha e sal. No entanto, a mera menção da palavra ‘pepino’, diga lá a visão de um deles, era suficiente para fazer o estômago dar umas cambalhotas.


"És um senhor tão bonito, tempo, tempo, tempo"... (CV)




Aquela poderia ser mais uma manhã como outra qualquer. Eis que o sujeito desce na estação do metrô. Vestindo jeans, camiseta e boné, encosta-se próximo à entrada, tira o violino da caixa e começa a tocar com entusiasmo para a multidão que passa por ali, bem na hora do rush matinal. Mesmo assim, durante os 45 minutos que tocou, foi praticamente ignorado pelos passantes. Ninguém sabia, mas o músico era Joshua Bell, um dos maiores violinistas do mundo, executando peças musicais consagradas num instrumento raríssimo, um Stradivarius de 1713, estimado em mais de 3 milhões de dólares. Alguns dias antes Bell havia tocado no Symphony Hall de Boston, onde os melhores lugares custam a bagatela de 1000 dólares.


A experiência, gravada em vídeo, mostra homens e mulheres de andar ligeiro, copo de café na mão, celular no ouvido, crachá balançando no pescoço, indiferentes ao som do violino. A iniciativa realizada pelo jornal The Washington Post era a de lançar um debate sobre valor, contexto e arte. A conclusão: estamos acostumados a dar valor às coisas quando estão num contexto. Bell era uma obra de arte sem moldura. Um artefato de luxo sem etiqueta de grife.

(...)

Tempo.
Talvez um luxo para a mulher que surgiu apressada na escada rolante daquela manhã no metrô de Washington, segurando a mão de seu filhinho de 3 anos. O menino aparece no vídeo virando a cabeça várias vezes, tentando olhar para o violinista, enquanto é puxado pela mãe. Queria parar um pouco para ouvir a música. Mas a mãe estava sem tempo.

por Marcia Bindo

domingo, novembro 18, 2007

Outono





As folhas caídas, árvores nuas, e outras cobertas com distinto matizes de amarelo, me dão conta de que já é outono. Pássaros também quase não os vejo mais, restam apenas os pombos . É outono, avisam com a sua ausência. O sol destas
paragens, no entanto, ainda esquenta meu couro. Vale.

sábado, novembro 17, 2007

Orgias

- Alô?

- Alô cara, beleza?!?

- Ôpa, tava esperando tua ligação. Tudo certo pro bacanal?

- Tudo sobre controle. Acabei de passar o último treino com o pessoal todo reunido.

- Faltou alguém?

- Um casal de anões, três odaliscas núbias e o dromedário.

- Pô, logo o dromedário?

- Pois é, só tinha camelo disponível.

- Mas aquele camelo brocha do ano passado foi uma tragédia.

- Eu lembro, não teve catuaba, pílula azul, chute no saco ou zebra virgem que desse jeito no desgraçado.

- Mas zebra virgem também, fala sério...

- Tu esperavas o quê? Que eu arranjasse uma camela virgem às duas da manhã?!?

- Tudo bem que nós tentamos. Ainda bem que tinha aquele teu primo tarado que arranjou a zebra virgem. Ele vem este ano de novo?

- Tá maluco? Esqueceu que tivemos que acorrentar aquele doido no estábulo?

- É verdade. Quando chegamos lá ele já tinha violentado duas ovelhas, faturado a égua e estava encarcando no pobre do jumento.

- É mesmo, nem o jerico escapou.

- E o tarado ainda papou a zebra virgem no dia seguinte.

- É, já que o camelo não quis...

- E o trabalho que deu para devolver para o circo, tu lembras?

- O veterinário sem saber se a zebra estava grávida e que bicho ia nascer dali. Ia ser teu sobrinho...

- Pô, nem brinca com estas coisas.

- E a segurança?

- Confirmado, forças especiais do lado de fora, e 98 eunucos na área interna.

- Mas não eram 100?

- Dois não passaram no teste, sentiram cócegas.

- E qual maluco você arranjou para fazer o teste com os eunucos?

- Lembra daquela bicha desvairada que era meu vizinho?

- O que foi fantasiado de ambulância no revéillon na tua casa?

- O próprio, com aquela lanterna piscando na testa, imitando sirene, e a roupa branca e vermelha aberta atrás.

- E ele correndo pela casa com a sirene e a lanterna, enchendo o saco de todo mundo que estivesse fantasiado de médico ou doente, e mandando entrar na ambulância pela porta dos fundos.

- Até teu cunhado que estava de Frankstein ele pertubou.

- Pois é, nem o Frank escapou.

- E o quê que você ofereceu para ele aceitar o trampo?

- Uma grana e disse que ele podia ficar com cada pinto que ele achasse no teste.

- Então ele se deu mal. O que diabos ele vai fazer com dois meio-eunucos?

- Sei lá, mas ele também ficou desconsolado e pediu uma caixa de pilhas para o vibrador e um balde de graxa.

- Pô, balde de graxa é demais.

- E você queria que eu fizesse o quê, que eu fosse no lugar dos eunucos? Tá maluco?

- Você tem razão. Te vejo à noite. Viva as odaliscas núbias!

- Abraços. Viva as núbias!

PS: inspirado no Veríssimo.

Mapamundi



Mapa mundi baseado em Ptolomeu, Geografia.

sexta-feira, novembro 16, 2007

Som Barato

GENIAL ESTE BLOG!

Tem uma enormidade de música brasileira de excelente qualidade, incluindo algumas raridades, gravações originais etc. Tudo de bom, sem vírus e gratuito!
Altamente recomendável.

Extraia o sumo

quarta-feira, outubro 24, 2007

La Solera

Duas salas pequenas, com azulejos quiçá feitos à mão. A vibração decrescente das cordas indicava que há pouco haviam sido dedilhadas; um tempo só seus de ser. As palmas, compassadas ao sapateado, davam conta de um outro tempo. A voz peculiar, cigana, entoava uma música idem. Alguns presentes produziam um bater de palmas solidário. Abstive-me, absorto, e mirei apenas o que me sobrava do Jerez na taça. Vozes outras, curtas, baixas, entrecortavam o pouco silêncio que deixavam escapar. Todos embriagados do sabor flamenco dali. Os cantores e tocadores se revezavam entre aparições, inspirações e improvisos. Compreendi um pouco mais de ti.

Linda Um e Linda Dois


Havia duas, uma loira e uma morena, igualmente soberbas. Pensava em matemática, herança antiga, vício antigo. Houve quem já a considerou a "mãe de todas as ciências". Felizmente há o mundo além das ciências, ditas exatas. Há cheiros, gostos e amores, que rogo, nunca possam ser transladados para insípidos algoritmos. Além da beleza ímpar que ambas possuíam, nada mais podia inferir, nem de onde vinham nem para onde iam. Na ausência de inspiração melhor ocorreu-me chamar-lhes apenas de 'Linda Um e Linda Dois'. Saliento que neste caso Dois não é maior do que Um. E que se preservem os limites da matemática.

segunda-feira, outubro 22, 2007

Sons do Nepal




Som de montanha, floresta, vento e cachoeira.
Som de silêncio.

Som de fogão à lenha, comida caseira, de roxy sendo destilado.

Som de satisfaçaão.

Som de poluição, lixo, tráfico, bandas cover.

Som de ruídos.

Som de afagos, beijos, gemidos.

Som de prazer.

O belo





Que salud haya, porque belleza me sobra.
Dito cubano

sexta-feira, outubro 05, 2007

Madrid

Hoy te miré desnuda en la noche. Sí, por la primera vez. Tenía flores en tus venas y aires casi di verano, mientras el otoño que si acercaba. La miraba desnuda, encantado con las cosas que ti cercaban. Me acercaba de tu Buen Retiro y tu Prado, pasé por el Sol y la Mayor. Por supuesto que tenía la expectativa más grande de todo más que podría de haber en el sol que empezaba por (des)cubrirte, como mi alma.


Resignação


Cala-te.

Encerras teus conflitos.

Acatas o que é teu, e sempre foi.

Vens saber da “dor e delícia de seres o que é".


terça-feira, setembro 18, 2007

Princesa

Roupas rotas, corpos idem.

Dois cães brincam.

Vários homens conversam, conversa solta.

Uma estátua desconexa do seu tempo de glória a tudo assiste e nada diz.

A ponte sobre o rio completa a moldura daquela noite.

Alguma luz pousa sobre nossos corpos ali sentados.

Um miúdo com os pais quer dizer algo.

Pais silenciosos, absortos em suas drogas.

A música polifônica cessa.

Partimos rumo à tasca.

Ergue-se a princesa disfarçada de tigresa.

O vento sopra sua capa, e traz-me o perfurme de maracujá.

Talvez um beijo negro me aguarde.

Talvez.

Seios

Tento, sem muito sucesso, e com pouco esforço real, desviar meus olhos daquela blusa de flanela azul. É bastante fina, sem ser transparante. O bico dos seus seios, belos, bem formados, destaca-se na calmaria azul. Nos braços, por sobre as ombreiras, entrevejo traços de uma tatuagem, algo com um ramo, uma flor. Parece cobrir-lhe um pouco da nudez. Por quê, se tão bela?!? No rosto sóbrio, um brinco no nariz chama a atenção. Mas o olhar tranquilo me faz sorrir. Da TV, grudada na parede próxima, o comentarista grita um gol qualquer. Aproveito a distração dos presentes para mirar-lhe longamente os seios, imaginar-lhes a cor, a textura, o sabor. Inspirado em alguma perversão, nalguma fantasia erótica, sonho em abocanhá-los, com paixão. Penso em tocar-lhes, beijar-lhes, com carinho, mas sem abster-me de mordiscar-lhes com severa paixão. Julgo ainda sugá-los, metê-los de uma só vez na boca e pôr-me a brincar com a língua ao seu redor. Dura pouco o sonho. Levanta-se. Permito que vá sem dirigir-lhe palavra alguma. Um outro grito do comentarista me traz de volta à “realidade televisiva”.

quinta-feira, agosto 23, 2007

Merci


It’s 9AM. The alarm is punctual. It buzzes and ends my fuzzy dreams. I search for the snooze button. I reach it. I look for you on the bed. I cannot find your shoulder, your lips, the smell of your body. Reluctantly I open my eyes and stare at the ceiling, while scanning my mind for your memories. I am lucky, there are plenty of them to fill up the space. The dirty ceiling of that cheap hotel is suddenly filled by the immensity of your blue eyes.

The alarm plays again. I repeat the movement of silencing it; now and then, few times. I resist leaving the bed. The half-sleep image of your eyes is by far a more pleasant sentiment. Eventually, the relentless alarm convinces me to move my body away from the bed. That linen, that mattress, that pillow, do not contain any of your fragrance, which helps me to get up.

I finish packing my small bag. I leave my camera outside. The millions of pixels containing your smile should suffice to comfort me until the next destination, until I can touch the real thing again.

In the back of my mind one question only: “When are you coming for dinner?”

Slow food, slow love, whatever time it takes… I feel like telling you a million words, if you could listen to tem, but I decide for one only: “Merci”.

Blue eyes

She was awaiting for me, sitting at the bar. The skirt was above the knees. The glasses framed the blue eyes. The short hair was harmoniously messed up. Two fingers were playing with her eyebrows. The lips produced a beautiful smile when she saw me. I was late, as usual. As I approached her, half kissing, half apologizing, she simply kissed back to me and smiled. I was not sure if she heard my apologies, but it obviously didn’t matter anymore. We took off the shoes, walked into the lounge and found a corner for us among the pillows and candles. A live band in the building across the street was courteous to play it loud, enough for our not so distant ears. The live tunes mixed well with the local lounge music, the talking around us and our half spoken words. The vibe was great. We had just come from a local restaurant. Before that, we traveled on the dirty streets of that poor city. Before that we chatted at lobby of the hotel that hosted our bodies. And further away from the present, there was emptiness; we hadn’t met each other yet.

The plans for the day, the next week, were as simple as our conversations, our desires. We decided to get away from the city, somehow, and go to the mountains. Few expectations and plans, simple simple, easy easy.

Left my cigarette in her hands, and kissed her again. The eyes were not open. My hands found their frame on her fingers, and my head over her shoulders. Closed my eyes.

De Brasília para Lhasa

Peço uma cerveja local, Lhasa Beer – beer from the top of the world, a uns 3.500 metros de altitude a frase faz sentido. Durante o dia o céu é azul, com poucas nuvens. À noite, o brilho das estrelas compete com o da lua. Ao redor, montanhas. Em algumas enxerga-se o cume coberto de neve que esnobam do sol de verão. O céu me faz lembrar de Brasília, igualmente belo e limpo. No nosso “vale”, porém, a única montanha é na estrada para Sobradinho, e apesar do frio de julho não consta que tenha nevado alguma vez no Posto Colorado.

Day or night?

The golden stars were shining, something to do with hydrogen being converted to helium, I recall. Their bright light was present in most of the space. The black light covered the rest of the darkness, untouched by the stars. Would it be day or night outside? I asked my realm.

Ephemerous

The band finished playing. I took the chance and sat down. Cleaned the sweat and ordered a beer. My eyes scanned around me. Not far from my table I spotted her, two couples and her, alone. The waitress delivered her fancy cocktail. Our eyes crossed. I stared at her and she at me. I thought about approaching her. But the fear of rejection was still greater than the expectation of joy. I ordered a second beer, while searching for her eyes again. But the friends had her attention now. I decided to go to the bathroom. I guess it was the subtle hope that the alcohol would tilt the fear-pleasure scale. When I returned the table was empty, the check paid. She was gone without a name, without a trace. I finished my beer, dropped few bills from my wallet, and closed the door of the bar behind me, alone.

Espelho


Fragmentos de espelho presos ao teto.

Fragmentos de meu corpo ali refletidos.

Penso em juntar as peças.

Tarefa difícil, falta sempre um pedaço.

Talvez se eu quebrasse um pouco os cantos.

Talvez se eu aparasse as arestas.

Deveria usar apenas tamanhos padrões.

Deveria acabar com estes pedaços feitos sobre medida.

Confundir-me na multidão, mais um . na multidão.

Contraditório encontro


Acontecia todos os anos, mais ou menos, quase sempre, ao redor da mesma data. Havia quem trouxesse presentes caros. Havia os que trouxessem bebidas, frias ou quentes, e ainda, por vezes, caipirinhas de carambola e rapadura. Havia quem trouxesse o que de comer, fruto de laborioso misturar de ervas, castanhas, azeite e suor. Havia ainda quem trouxesse sorriso, simples, sincero, amigo. Havia de todas as tribos ali presente, diferentes dialetos de uma mesma língua-mãe. Vinham de todas as partes, intenções contraditórias, por vezes; razões uníssonas, no entanto. Juntavam-se ali todos ali para vê-la e poder dizer: Feliz aniversário!

quarta-feira, agosto 08, 2007

Neruda




Com muita humildade
Fiz estes sonetos de madeira
Dei-lhes o som desta opaca e pura susbtância (...)



Pablo Neruda
Cem Sonetos de Amor

Sabor Nordestino


Se me queres cajuí
Desejo ser doce e raro
Deixar no teu corpo o cheiro
Dos cajueiros nordestinos

Desejo ser cajuína
Saciar tua sede
Com os beijos sonoros
Dos passarinhos empapuçados

Desejo ser “pé de tonel”
Embriagar teus sentidos
Aquecer teu corpo
Com meu pequeno caju em flor

Lília Diniz
Poetisa maranhense

segunda-feira, maio 28, 2007

The End


Os vestígios dos antigos dissabores românticos se escondiam entre cartas apaixonadas, discos do Pixinguinha deixados para trás, ou eventualmente uma foto emoldurada na sala. Hoje nossas reminiscências de amor são encontradas em pedacinhos de silício dentro da máquina digital.

Esqueci-me de deletar os zeros-e-uns que contêm o teu sorriso.


domingo, maio 27, 2007

In my dreams only


Sitting in a chair, going through my own reminiscences, found her image. If she was still alive, she might have written:

I tried to hide my desires for him behind my fears and concerns, until today. Today we made love again. It was not like the first time. The intensity, the flesh, the passion, the sweat, were all the same. The pleasure of his kiss, the warmth of his hands, the incredible feeling when he first went inside, the sensation of looseness that followed, were also the same. But today we had more time to know each other, to savour each other, to discover each other.
The night didn't start well. A senseless discussion about a senseless matter. I argued with him, and repeatedly made clear that I didn't want his countless kisses, his close attention and his soft touches. I lied. I was confused. My heart, still divided between past and future, held the infamous bridge that caught me. I was a prisoner of my own sentiments, aspirations and desires.
I finally succumbed to his charm. It was something in his eyes that I could not elucidate, but which still made me ebrious.
The bridge still existed. But a dash of courage and a sac of desire made me cross it. And once again I gave myself to him; every inch of my body belonged to him; every portion of me was touched by him; sometimes by his strong hands, other times by his tongue that covered my body; still in other occasions the rest of his body rubbed over me as if cleaning myself from previous encounters, as if in preparation for a divine ritual.
My soul had displaced off my body, in a state of mercurial ecstasy. Sometime later, I returned, and could only notice the wet body of my warrior laying over mine, still breathing vividly in my ears.
But I must confess, she never died. And she has never lived, only in my sweetest dreams.

quinta-feira, maio 17, 2007

Blood diamond




Sempre achei o DiCaprio um ator medíocre, até ver este filme.


terça-feira, maio 08, 2007

Orgias

- Alô?

- Alô cara, beleza?!?

- Ôpa, tava esperando tua ligação. Tudo certo pro bacanal?

- Tudo sobre controle. Acabei de passar o último treino com o pessoal todo reunido.

- Faltou alguém?

- Um casal de anões, três odaliscas núbias e o dromedário.

- Pô, logo o dromedário?

- Pois é, só tinha camelo disponível.

- Mas aquele camelo brocha do ano passado foi uma tragédia.

- Eu lembro, não teve catuaba, pílula azul, chute no saco ou zebra virgem que desse jeito no desgraçado.

- Mas zebra virgem também, fala sério...

- Tu esperavas o quê? Que eu arranjasse uma camela virgem às duas da manhã?!?

- Tudo bem que nós tentamos. Ainda bem que tinha aquele teu primo tarado que arranjou a zebra virgem. Ele vem este ano de novo?

- Tá maluco? Esqueceu que tivemos que acorrentar aquele doido no estábulo?

- É verdade. Quando chegamos lá ele já tinha violentado duas ovelhas, faturado a égua e estava encarcando no pobre do jumento.

- É mesmo, nem o jerico escapou.

- E o tarado ainda papou a zebra virgem no dia seguinte.

- É, já que o camelo não quis...

- E o trabalho que deu para devolver para o circo, tu lembras?

- O veterinário sem saber se a zebra estava grávida e que bicho ia nascer dali. Ia ser teu sobrinho...

- Pô, nem brinca com estas coisas.

- E a segurança?

- Confirmado, forças especiais do lado de fora, e 98 eunucos na área interna.

- Mas não eram 100?

- Dois não passaram no teste, sentiram cócegas.

- E qual maluco você arranjou para fazer o teste com os eunucos?

- Lembra daquela bicha desvairada que era meu vizinho?

- O que foi fantasiado de ambulância no revéillon na tua casa?

- O próprio, com aquela lanterna piscando na testa, imitando sirene, e a roupa branca e vermelha aberta atrás.

- E ele correndo pela casa com a sirene e a lanterna, enchendo o saco de todo mundo que estivesse fantasiado de médico ou doente, e mandando entrar na ambulância pela porta dos fundos.

- Até teu cunhado que estava de Frankstein ele pertubou.

- Pois é, nem o Frank escapou.

- E o quê que você ofereceu para ele aceitar o trampo?

- Uma grana e disse que ele podia ficar com cada pinto que ele achasse no teste.

- Então ele se deu mal. O que diabos ele vai fazer com dois meio-eunucos?

- Sei lá, mas ele também ficou desconsolado e pediu uma caixa de pilhas para o vibrador e um balde de graxa.

- Pô, balde de graxa é demais.

- E você queria que eu fizesse o quê, que eu fosse no lugar dos eunucos? Tá maluco?

- Você tem razão. Deixa pra lá. E as diversões, alguma novidade?

- Tem algumas, mas eu estou apostando naquela inspirado nos quadrinhos.

- Vai ser um sucesso. Vai ter gente fazendo fila para pegar um anão besuntado,...

- E mergulhar no caldeirão de fondue!

- Só quero ver depois do fondue...

- Ou pior, se o anão cair dentro do pote.

- Como anão sofre.

- Pois é. Te vejo à noite. Viva as odaliscas núbias!

- Abraços. Viva as núbias!

PS: inspirado no Veríssimo.


sexta-feira, maio 04, 2007

Nada


Guernica, by Picasso


Dizia-se dele: era tão triste e tão preguiçoso que gastou a vida inteira para matar-se. Não buscou outro que o fizesse. Entreteu-se a si mesmo com o sórdido trabalho. O fazia com pouca continuidade, sem nenhuma paixão, esforço ou desejo. Fazia-o porque havia de ser feito, diria a si mesmo se ousasse ter perguntado. Mas nunca o fez, e não mais o fará. Não era de arroubos, ousadias ou destemperamentos. Tinha sobretudo uma preguiça de sê-lo, ou de qualquer outra coisa ser. Preferia o nada. Nada ser, nenhum título a ostentar, nem amores passados ou presentes. Do ócio, a manutenção, mínima necessária. Abandonara o nome também, há muito, era assim mais fácil não explicar de onde vinha, muito menos para onde iria. Assim levou, assim foi levando. Buscava nada aprender, para nada ter que lembrar. Pouco esforço fez para manter as imagens, gostos, cheiros do passado. Tudo era passado. O passado era etéreo, mercurial, foi-se logo também. O passado não é e nunca lhe foi nada. Nada de devaneios sobre origem, tramas, ideais, ilusões. Nada. Na derradeira hora ainda pensou em buscar um copo d’água gelada, mas de que serviria matar a sede? Desperdício do tempo que escorria, últimas gotas. Ou seriam os últimos grãos de areia na ampulheta? Foi, no dia em que a tristeza alegrou-se, vencera a preguiça. O sol raiou, o sol se pôs, também não deu pela sua falta ao partir. Quem daria? Amigos nunca os teve, parentes não passavam de um espaço vazio no escaninho da sua mente. Espaços vazios, espaços vazios, espaços vazios... a única presença que ocupava era de seu corpo magro, maltrapilho, cuja silhueta e cheiro fétido abriam espaço onde passava. Talvez dissessem algo dele, ou para ele, mas nunca os escutava. Eram do lado de lá, do lado de fora de si, sem importância, sem ter que ser. Se parasse teria que ouvir, replicar, ouvir novamente. Não, não seria o caso. Para quê afinal? Não era nunca nada. Nada, nunca. Não tinha com bichos ou crianças. Não tinha que ter com ninguém. Infanticídio teria sido mais curto, mas não disse a nenhum que o fizesse. Não podia ter com outros. Tinha um muro, onde se recostava, onde descansava sua preguiça de nada ser. E deste não fazia questão de sair. Levava-o dentro de si. Talvez tenha sido seu maior esforço em vida, seu muro imaginário. Dos poucos pensamentos que engendrou, houve uma pequena curiosidade, passageira, do corpo que carregava, e das chagas e pústulas que se seguiram. Como ousava funcionar, dar de si, sem sua autorização, sem seu consentimento? E não havia sequer uma alavanca fácil de empurrar que desligasse o motor... seguia como o bondinho com seus fios e cabos ligados a algo que o fazia andar, sem nenhum motor à vista que cuspisse fumaça. Nunca soube como, nunca quis saber destas coisas. Coisas sem importância para alguém como ele. Sabia não ser nada especial, nem especial em nada. Se livros tivesse lido diria ou pensaria em palavras, mas estas demoravam em chegar, em ler, em experimentar. Manuseva imagens, sons e cheiros, simples como o resto de si. Nada tinha na memória, que lembrar, nada tinha na alma, que sentir. Não sentia frio, tristeza, fome, solidão, nada. Se pensasse talvez imaginasse que fosse a mesma arbitrariedade que fazia seu corpo funcionar, sem o seu consentimento. E tirar-lhe a vida, desligar a máquina, baixar a alavanca que não sabia existir, demandaria esforço, e de nada valeria. Nada fez para viver, nada fez para morrer. Foi, um dia.


Copo vazio, cadeira vazia




Copo Vazio

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar.

É sempre bom lembrar
Que o ar sombrio de um rosto
Está cheio de um ar vazio,
Vazio daquilo que no ar do copo
Ocupa um lugar.

É sempre bom lembrar,
Guardar de cor que o ar vazio
De um rosto sombrio está cheio de dor.

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar.
Que o ar no copo ocupa o lugar do vinho,
Que o vinho busca ocupar o lugar da dor.
Que a dor ocupa metade da verdade,
A verdadeira natureza interior.

Uma metade cheia, uma metade vazia.
Uma metade tristeza, uma metade alegria.
A magia da verdade inteira, todo poderoso amor.
A magia da verdade inteira, todo poderoso amor.

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar.

by Gilberto Gil


Anda fogo! Corre chama! Queima tudo! Leva a cinzas o que já foi carne. Transforma em calor e pó o que já foi vida. Hoje sei que nada sei. E de nada saber não sei se há vida pós-morte. Hoje senti tua falta. Senti falta das tuas palavras, dos sonhos, dos risos, das lágrimas. Falta das alegrias compartilhadas, das tristezas embriagadas. Ainda tenho o teu cheiro de carne queimada nas entranhas. Não sei se nunca chegarei a tirá-lo de dentro de mim. Talvez não, quem sabe tua última lembrança. Não é fraterno e carinhoso como teu abraço mas vale assim mesmo. É uma sinapse apenas. Uma dentre bilhões de outras que me fazem recordar a senha do banco, ou a cor do meu carro. Mas essa me faz sorrir. Não, não sei se há morte após a vida, mas meu sonho é mais doce com esta ilusão de nos encontrarmos novamente.




Deus Sol, Deusa Lua



ny Robert LaDuke


Não confies na lua, ela não tem horas certas de ser como o sol. É mutante em suas formas, cores e trajetórias. Não lhe cabe o sentido de ser, de vir, luzir e se ir. Há dias que vem. Há dias que falta. Há dias que brilha forte. Há dias em que aparece discreta, quase sem querer aparecer. Dê-se ao sol, que este há de te cuidar melhor, com calor, com atenção, com destino certo, com horário certo. E se quiser mesmo voltar a vê-lo no mesmo lugar terás que esperar um ano apenas. E o que é um ano para uma vida inteira? Um tempo breve de ser. Vem comigo, vamos ter com o sol. Esquece-te de embriagar-se com a lua que engana ser grande quando esbanja-se na noite. Deixa-a lá. Esquece-se dela. Não te acalentarás o corpo ou a alma frios. Ilude-te. Vives-tu da realidade que o sol traz. Vem comigo. Vamos caminhar sob o sol e dar-lhe nossa pele para que doure, tal qual plantas e suas folhas, ou como os pássaros lhe dão seu canto cedo, mesmo antes dele cá vir. Vem comigo ser o sol. Vem brilhar.

quarta-feira, maio 02, 2007

Aganjú

Te esperei na lua crescer
Ví cadeira boa sentei
Espirrei na tua gripei
Por ficar ao léo resfriei

Você me agradou me acertou
Me miseravou, me aqueceu
Me rasgou a roupa e valeu
E jurou conversas de deus

Aganjú, Aganjú, Aganjú
Aganjú, Aganjú, Aganjú

Quem sabe a labuta quitar
Sabe o trabalho que dá
Batalhar o pão e trazer
Para a casa o sobreviver

Encontrei na rua a questão
Cem por cento a falta de chão
Vou rezar prá nunca perder
Essa estrutura que é você

Aganjú, Aganjú, Aganjú
Aganjú, Aganjú, Aganjú


by Carlinhos Brown


PS: E na versão lounge da Bebel (Latin remix) ficou um arraso!

http://radio.terra.com.br/busca/musicas.php?musica=Aganj%FA

Conectado com Deus


by Michelangelo


Procissão

by Gilberto Gil

“(...)
E Jesus prometeu vida melhor
Pra quem vive nesse mundo sem amor
Só depois de entregar o corpo ao chão
Só depois de morrer neste sertão
Eu também tô do lado de Jesus
Só que acho que ele se esqueceu
De dizer que na terra a gente tem
De arranjar um jeitinho pra viver
Muita gente se arvora a ser Deus
E promete tanta coisa pro sertão
Que vai dar um vestido pra Maria
E promete um roçado pro João
Entra ano, sai ano, e nada vem
Meu sertão continua ao Deus-dará
Mas se existe Jesus no firmamento
Cá na terra isto tem que se acabar.”



Fui ter com os Deuses. Não que houvesse um plebiscito mundial para escolher um representante da humanidade para tal tarefa, nem tampouco era eu candidato oficial. Ocorreu naturalmente, rodada de bar, os amigos ali reunidos, copos pela metade, sobriedade idem, engedraram a trama. Começou com um Corinthiano – Corinthiano é fogo – “vai lá, fala com Deus, você fala bem em público, conhece muita gente, tenta ver o que você arranja, qualquer melhoria é bem-vinda. Como está é que não dá”. Outros se seguiram, e à medida que as garrafas secavam o coro aumentava. Mais gente ia juntando. O portuga dono do bar, feliz com o movimento extra, começou até a me oferecer uns bolinhos frescos de bacalhau, por conta da casa. O negócio virou quase comício, gente se amontoava à porta para ver o que se passava. A maior parte dos transeuntes quando se inteirava que tinha um que se propunha a interceder junto à galera do andar de cima, pedia uma gelada e gritava alguma coisa de apoio lá do fundo. Quando ouviam que não tinha dízimo a ser recolhido, pediam mais uma e apoiavam mais efusivamente a empreitada. Eu dizia que não, argumentava que havia melhores quadros no partido, fiz das minhas para me livrar da tarefa, mas não teve jeito, fui aclamado quase que por unanimidade. À exceção de um que se embriagava de gin e gritava: “ruim, por ruim, vote em mim”. Saí de lá chumbado, mas eleito, aclamado. Não me deixaram sequer pagar minha parte do induto ao portuga. Fiquei na dúvida se o faziam por apego à causa, ou se já vislumbravam alguma possibilidade de tráfico de influência.

Cheguei em casa trôpego e ansioso por dividir a novidade. Comuniquei a nomeação à patroa. Ela não deu muito ouvido e avisou que tinha lasanha no forno. Continuou assistindo a novela.

No dia seguinte peguei o terno no fundo do armário e mandei para a tinturaria para tirar o cheiro de naftalina. Tinha duas preoucupações, como escolher os pedidos, e como achar a galera. Demandas não faltavam: o Flamengo estava na pindaíba, segundo os jornais americanos a floresta amazônica ia ficar do tamanho da floresta da Tijuca, Fidel ainda estava vivo, a África continuava uma lástima, o Bush foi reeleito, o sapo barbudo idem, o aquecimento global prometia praia em Brasília (jóia!), mas o fim de Ipanema (nunca!), e a lista não tinha fim. A outra preoucupação obviamente era achar um jeito de contactar a galera: Mãe Meninha do Gantois faleceu há muitos anos, o oráculo de Delfos aposentou-se (stress?), as companhias telefônicas pararam de distribuir catálogos onde antigamente se encontrava quase tudo. No desespero lembrei do sobrinho que era gerente numa empresa de informática em Brasília. Liguei para o garoto à cata de alguma sugestão. Ele recomendou o Google. Falei que lembrava do AltaVista, MetaCrawler, Netscape e outros. Ele explicou que já tinham levado o mesmo fim que Delfos.

Meio desconfiado, e sem entender as forças ocultas que existiam por detrás deste novo oráculo, ataquei-o assim mesmo. Segui as coordenadas do sobrinho e achei o dito. Sem muita cerimônia digitei lá: how can I talk to God? (não sabia se o cara era monoteísta ou não, mas resolvi ser conservador na pergunta). As respostas, digo, links, que se seguiram, foram mais ou menos as seguintes:


God can change your life

Jesus Christ

Prayer site for children

iGod Chat with God

I Can Talk To God

Kids Talk About God - An Online Service Helping Christians Inspire ...

I want to talk to God and ask why!

BBC - Press Office - George Bush on Elusive Peace

God and Evolution

Nine Ways Not to Talk about God, by Raimon Panikkar


Após apertar alguns botões aqui e acolá optei pelo iGod (não vi nenhum logo da Apple, mas ainda assim fiquei na dúvida se tinha o dedo do Steve Jobs na parada).

Anunciava no sutiã - aquele negócio que suporta o título, não o outro suporte - em inglês, “arrependimento facilitado”. Gostei. Tinha umas coisas meio atrasadas mesmo. Apertei o botão onde dizia: aperte aqui. Abriu uma janela que anunciava: você está falando com Deus. Tentei algumas coisas antes, para testar. O diálogo foi assim, em inglês:

- Eu: Detesto o Bush (I hate Bush).
- Deus: Honestamente acho que você deve se sentar, tomar um calmante e repensar as coisas (I honestly think you should sit down, take a stress pill, and calmly think things over). Eu: É eu sei, é duro aguentar o cara.

- Eu: Eu detesto o Lula (I hate Lula).
- Deus: Por quê você o detesta tanto?
(Why do you hate it so much?) Ai eu pensei: Tá maluco?!? Você é terapeuta, Deus ou cego?

- Eu: Espero que o Flamengo ganhe. (I hope Flamengo wins).
- Deus: Por quê você tem esperanças? (Why do you hope for it?)
Ai eu pensei: É eu sei, tá difícil.

- Eu: Você pode facilitar as coisas para nós? (Can you make things easier for us?)
- Deus: Sim eu posso facilitar muitas coisas para vocês. (Yes I can make things easier for us).
Ai eu pensei: Massa! Agora estamos conversando.

- Eu: Como? (How?)
- Deus: Eu me programei a mim mesmo para isto. (Myself programmed me for it)
Ai eu pensei: Convencido. Só quero ver depois.

- Eu: Garantido? (Guaranteed?)
- Deus: Como você ouviu falar sobre Deus?
(How did you hear about God?)
Ai eu pensei: Iiii, desconversou.

- Eu: Na bíblia. (In the bible).
- Deus: Foi muito tempo atrás. (That was a long time ago).
Ai eu pensei: Tô sabendo, mas ainda não lançaram uma edição atualizada.

- Eu: E o aquecimento global? (What about global warming?)
- Deus: Pensarei a respeito e depois te respondo. (I will think about it and get back to you.).
Ai eu pensei: Fugiu da raia de novo.

- Eu: Conversamos mais tarde. (Talk to you later)
- Deus: Te vejo mais tarde! (
See you later!)


Fiquei animadíssimo com o contato inicial. Pensei em voltar logo ao boteco do portuga, juntar o eleitorado e fazer uma prestação de contas parciais do meu desempenho até o momento. Mas talvez fosse melhor pegar o terno na lavanderia antes, dadas as novas responsabilidades tinha que cuidar mais do visual. No caminho da tinturaria, imbuído do espírito de legislador divino, devidamente conectado, fiquei imaginando o primeiro salário, o aumento retroativo, o jeton, a montagem do gabinete, a base de apoio. Havia muito trabalho pela frente. Acabei decidindo ir para a praia mesmo. De lá eu ligaria para o gabinete, avisaria que não iria ao plenário hoje, enfim, começaria o trabalho. Não tinha como falhar.


P.S.: tente você mesmo o iGod.
Mas por favor não espalhe.
Ainda estou solidificando a carreira parlamentar.