“As aves daqui gorjeiam mas não gorjeiam como as de lá”
Deve ser mesmo da natureza humana comparar velhas e novas moradias. E pela mesma via procuramos relacionar o novo ao que possuímos de velhas experiências, conscientes ou inconscientes. Ou talvez seja apenas por saudosismo e puro banzo.
Eu aqui, do pouco que há para me fazer lembrar da terra natal, procuro encontrar, ou criar no meu imaginário, pontes para o meu passado, Brasília, por assim dizer.
Estou na casa de amigos de um amigo asutraliano/irlandês. A casa, grande e muitíssimo bem localizada – vista para o mar, bairro chic etc – não é nem feia nem bonita, embora prática. Faz-me recordar aquelas casas quadradadas ali das “700” (nota: quem não conhecer Brasília e achar que isto é algum codigo secreto, tudo bem, relaxe).
Atrás há um prédio lindo, moderníssimo, de uns 30 ou 40 andares – não ando tão ocioso assim, ao contrário do que pensam alguns, para tê-los contado de fato. Ele é de vidro exposto, e está num ponto acima da casa, na rua de trás, e obviamente todo de frente para o mar. Imagino como deve ser verde o mar visto ali de cima. À noite, uma série de pontos de luz multi-coloridos, e verticalmente alinhados ao longo das colunas, dão-lhe vida. É bonito de se ver. O formato, embora esteja perfilado ali para o mar (Ah, como eu queria que Brasília tivesse praia....), lembra-me a Catedral, ali como uma mão aberta, espalmada para trás.
Meu ilustre anfitrião explicou-me com olhos ainda arregalados, apesar de ser provavelmente a enésiam vez que devia relatar o caso, que naquele prédio ninguém morava.
Seria assombrado, pensei em perguntar-lhe, mas ele calou meu pensamento. Com os olhos ainda bem abertos me contou que a dona – isto mesmo, o prédio todo com suas várias dúzias de apartamentos vazios, pertence a uma mulher destas bandas – ainda não havia decidido qual o melhor uso para o edifício.
Para arrematar ele descreveu seus dois vizinhos. De um lado uma bela mansão, de uns 400 metros quadrados de área útil, toda de granito externo e onde morava apenas uma senhora de 78 anos, e seus servos. A mansão, construída pelos filhos da mesma, continha apenas um único quarto. Quando ela morresse, eles provavelmente reconstruiriam a casa.
Do outro lado, uma casa similar à sua, igualmente bem localizada mas de gosto questionável. Estava há dez anos vazia, sem ser alugada. Estimou meu anfitrião em quatro milhões de euros a receita não auferida com o aluguel.
Bom, neste ponto encerraram-se as semelhanças com a terrinha.