terça-feira, outubro 28, 2008
Cafe de los Maestros -
Estante Virtual - Sebos
Desconhecido
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
sexta-feira, outubro 17, 2008
Aninhas e suas pedras
Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces.
Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha um poema.
E viverás no coração dos jovens e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas e não entraves seu uso aos que têm sede.
Cora Coralina
Picasso e os mestres, Paris, museu Le Grand Palais
http://www.rmn.fr/Picasso-et-les-maitres
Amores Liquidos
A noção de liquidez, quando se refere às relações humanas, tem um sentido inverso ao empregado nas relações bancárias, a disponibilidade de recursos financeiros. A liquidez de quem tem uma conta polpuda no banco, acessível a partir de um comando eletrônico é capaz de tornar qualquer desejo uma realidade concreta. É um atributo potencializador. O amor líquido, ao contrário, é a sensação de bolsos vazios.
É preciso deixar claro que Bauman não se propõe a indicar ao leitor fórmulas de como obter sucesso nas conquistas amorosas, nem como mantê-las atraentes ao longo do tempo, muito menos como preservá-las dos possíveis, e às vezes inevitáveis, desgastes no decorrer da vida a dois. Não há como assegurar conforto num encontro de amor, nem garantias de invulnerabilidade diante das apostas perdidas, nunca houve. Quem vende propostas de baixo risco são comerciantes de mercadorias falsificadas.
A área de estudo principal de Bauman é a sociologia, o campo do pensamento que vai ser o ponto de partida e o foco fundamental do retrato sobre a urgência de viver um relacionamento plenamente satisfatório dos cidadãos pós-modernos. Digamos que as dificuldades vividas por um casal refletem o estilo que uma comunidade mais ampla estabelece como padrão aceitável de relacionamento entre seus vizinhos, entre os que habitam um espaço comum. Bauman é realista. Sabe que “nenhuma união de corpos pode, por mais que se tente, escapar à moldura social e cortar todas as conexões com outras facetas da existência social”. Portanto, partindo do seu campo específico de estudo, ele faz uma radiografia das agruras sofridas pelos homens e mulheres que têm que estabelecer suas parcerias no mundo globalizado.
Mundo que ele identifica como líquido, em que as relações se estabelecem com extraordinária fluidez, que se movem e escorrem sem muitos obstáculos, marcadas pela ausência de peso, em constante e frenético movimento. Em seus livros anteriores, já traduzidos e disponíveis para o leitor brasileiro, Bauman defende a idéia de que esse processo de liquefação dos laços sociais não é um desvio de rota na história da civilização ocidental, mas uma proposta contida na própria instauração da modernidade. A globalização, palavra onde estão contidos os prós e os contras da vida contemporânea e suas conseqüências políticas e sociais, pode ser um conceito meio difuso, mas ninguém fica imune aos seus efeitos. A rapidez da troca de informações e as respostas imediatas que esse intercâmbio acarreta nas decisões diárias; qualidades e produtos que ficam obsoletos antes do prazo de vencimento; a incerteza radicalizada em todos os campos da interação humana; a falta de padrões reguladores precisos e duradores; são evidências compartilhadas por todos os que estão neste barco do mundo pós-moderno. Se esse é o pano de fundo do momento, ele vai imprimir sua marca em todos as possibilidades da experiência, inclusive nos relacionamentos amorosos. O sociólogo Zygmunt Bauman mostra como o amor também passa a ser vivenciado de uma maneira mais insegura, com dúvidas acrescidas à já irresistível e temerária atração de se unir ao outro. Nunca houve tanta liberdade na escolha de parceiros, nem tanta variedade de modelos de relacionamentos, e, no entanto, nunca os casais se sentiram tão ansiosos e prontos para rever, ou reverter o rumo da relação.
O apelo por fazer escolhas que possam num espaço muito curto de tempo serem trocadas por outras mais atualizadas e mais promissoras, não apenas orientam as decisões de compra num mercado abundante de produtos novos, mas também parecem comandar o ritmo da busca por parceiros cada vez mais satisfatórios. A ordem do dia nos motiva a entrar em novos relacionamentos sem fechar as portas para outros que possam eventualmente se insinuar com contornos mais atraentes, o que explica o sucesso do que o autor chama de casais semi-separados. Ou então, mais ou menos casados, o que pode ser praticamente a mesma coisa. Não dividir o mesmo espaço, estabelecer os momentos de convívio que preservem a sensação de liberdade, evitar o tédio e os conflitos da vida em comum podem se tornar opções que se configuram como uma saída que promete uma relação com um nível de comprometimento mais fácil de ser rompido. É como procurar um abrigo sem vontade de ocupá-lo por inteiro. A concentração no movimento da busca perde o foco do objeto desejado. Insatisfeitos, mas persistentes, homens e mulheres continuam perseguindo a chance de encontrar a parceria ideal, abrindo novos campos de interação. Daí a popularidade dos pontos de encontros virtuais, muitos são mais visitados que os bares para solteiros, locais físicos e concretos, onde o tête à tête, o olho no olho é o início de um possível encontro. Crescem as redes de interatividade mundiais onde a intimidade pode sempre escapar do risco de um comprometimento, porque nada impede o desligar-se. Para desconectar-se basta pressionar uma tecla; sem constrangimentos, sem lamúrias, e sem prejuízos. Num mundo instantâneo, é preciso estar sempre pronto para outra. Não há tempo para o adiamento, para postergar a satisfação do desejo, nem para o seu amadurecimento. É mais prudente uma sucessão de encontros excitantes com momentos doces e leves que não sejam contaminados pelo ardor da paixão, sempre disposta a enveredar por caminhos que aprisionam e ameaçam a prontidão de estar sempre disponível para novas aventuras. Bauman mostra que estamos todos mais propensos às relações descartáveis, a encenar episódios românticos variados, assim como os seriados de televisão e seus personagens com quem se identificam homens e mulheres do mundo inteiro. Seus equívocos amorosos divertem os telespectadores, suas dificuldades e misérias afetivas são acompanhadas com o sorriso de quem sabe que não está sozinho no complicado jogo de esconde-esconde amoroso.
A tecnologia da comunicação proporciona uma quantidade inesgotável de troca de mensagens entre os cidadãos ávidos por relacionar-se. Mas nem sempre os intercâmbios eletrônicos funcionam como um prólogo para conversas mais substanciais, quando os interlocutores estiverem frente a frente. Os habitantes circulando pelas conexões líquidas da pós-modernidade são tagarelas a distância, mas, assim que entram em casa, fecham-se em seus quartos e ligam a televisão.
Zygmunt Bauman explica que hoje “a proximidade não exige mais a contigüidade física; e a contigüidade física não determina mais a proximidade”. Mas ele reconhece que “seria tolo e irresponsável culpar as engenhocas eletrônicas pelo lento, mas constante recuo da proximidade contínua, pessoal, direta, face a face, multifacetada e multiuso”. As relações humanas dispõem hoje de mecanismos tecnológicos e de um consenso capaz de torná-las mais frouxas, menos restritivas. É preciso se ligar, mas é imprescindível cortar a dependência, deve-se amar, porém sem muitas expectativas, pois elas podem rapidamente transformar um bom namoro num sufoco, numa prisão. Um relacionamento intenso pode deixar a vida um inferno, contudo, nunca houve tanta procura em relacionar-se. Bauman vê homens e mulheres presos numa trincheira sem saber como sair dela, e, o que é ainda mais dramático, sem reconhecer com clareza se querem sair ou permanecer nela. Por isso movimentam-se em várias direções, entram e saem de casos amorosos com a esperança mantida às custas de um esforço considerável, tentando acreditar que o próximo passo será o melhor. A conclusão não pode ser outra: “a solidão por trás da porta fechada de um quarto com um telefone celular à mão pode parecer uma condição menos arriscada e mais segura do que compartilhar um terreno doméstico comum”.
Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos, de Zigmunt Bauman, mostra-nos que hoje estamos mais bem aparelhados para disfarçar um medo antigo. A sociedade neoliberal, pós-moderna, líquida, para usar o adjetivo escolhido pelo autor, e perfeitamente ajustado para definir a atualidade, teme o que em qualquer período da trajetória humana sempre foi vivido como uma ameaça: o desejo e o amor por outra pessoa.
O mais recente título do sociólogo polonês, que recebeu os prêmios Amalfi (em 1989, pelo livro Modernidade e Holocausto), e Adorno (em 1998, pelo conjunto de sua obra), é uma leitura precisa e eloqüente, um convite a uma reflexão aberta não apenas aos estudantes e interessados em trabalhos acadêmicos. O seu texto claro, apesar de fortemente estruturado numa erudição consistente, não deixa de abrir espaço para o leitor comum, interessado em compreender como as estruturas sociais e econômicas dos tempos atuais, tentam dar conta da complexidade do amor que, com a permissão de citá-lo mais uma vez, é “uma hipoteca baseada num futuro incerto e inescrutável”.
Nota do Editor
Ensaio gentilmente cedido pela autora. Publicado no caderno "Fim de Semana", da Gazeta Mercantil, em 31 de julho de 2004.
Para ir além
segunda-feira, outubro 13, 2008
Fernando Pessoa
Que já tem a forma do nosso corpo
E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares
É o tempo da travessia
E se não ousarmos fazê-la
Teremos ficado para sempre
À margem de nós mesmos"
Fernando Pessoa
sexta-feira, outubro 03, 2008
New York Times - Editorial anti-Bush
The Legacy
Among the many dispiriting things to come out of Bob Woodward’s quartet of books on George W. Bush is his observation that the president has not changed since he first started talking to Woodward in 2001.
No growth. No evolution. No regrets.
“History,” Bush replied, when asked by Woodward how he would be judged over time. “We don’t know. We’ll all be dead.” Broke, as well.
It would have been nice to let Bush’s two terms marinate a while before invoking Herbert Hoover and James Buchanan from the cellar of worst presidents. But then — over the last two weeks — he completed the trilogy of national disasters that will be with us for a generation or more.
George Bush entered the White House as a proponent of a more humble foreign policy and a believer that government should get out of the way at home. He leaves as someone with a trillion-dollar war aimed at making people who’ve hated each other for a thousand years become Rotary Club freedom-lovers, and his own country close to bankruptcy after government did get out of the way.
It’s a Mount Rainier of shame and folly. But before going any further, let’s allow his supporters to have their say.
“He’s going to have an unbelievably great legacy,” said Laura Bush in an ABC interview, citing wars in Iraq and Afghanistan. “Fifty million people liberated from very brutal regimes.”
Fred Barnes argues that Bush is a visionary on a par with Ronald Reagan and Franklin D. Roosevelt. “Bush is a president who leads,” he wrote in a 2006 book. “He controls the national agenda, uses his presidential power to the fullest and then some, prepares far-reaching polices likely to change the way Americans live, reverses other long-standing polices and is the foremost leader in world affairs.”
Finally, from Karl Rove, the Architect. Bush will be viewed “as a far-sighted leader who confronted the key test of the 21st century,” he said.
After wading through books with words like “fiasco,” “hubris” and “denial” in the title, historians will go to first-hand sources, the people who worked with Bush daily. There they will find Paul O’Neill, the president’s former Treasury secretary. In 2002, he sounded an alarm, saying Bush’s rash economic policies could lead to a deficit of $500 billion. This, after Bush had inherited a budget surplus, prompted many to scoff at O’Neill.
He was wrong, but only in one respect – the projected deficit, even without a financial bailout, will almost certainly be higher.
This means a lot, for every bridge not built, every Pell grant not given to a kid who may never go to college without one, every national park road left to crumble, every sick person who cannot afford to see a doctor in a country that wants to be known as the best on earth.
Historians will also go to Scott McClellan, the former White House press secretary. Bush may not be a “high functioning moron,” as Paul Begala called him recently. He is “plenty smart enough to be president,” McClellan wrote this year. But McClellan, in his job as the president’s mouthpiece, found him chronically incurious. He also said Bush deliberately misled the country into war, and in that effort, the news media were “complicit enablers.”
Historians will recall that in each of the major disasters on Bush’s watch, there were ample warnings — from the intelligence briefing that Osama bin Laden was determined to strike a month before the lethal blow, to the projections that Hurricane Katrina could drown a major American city, to the expressed fears that letting Wall Street regulate itself could be catastrophic.
Voluntary regulation. That phrase now joins “heckuva job, Brownie” and “mission accomplished” among those that will always be associated with the Bush presidency.
It’s painful now to realize, just as the economy craters and the world looks aghast at the United States, that the other cancer from the Bush presidency – his failure to even start the nation on the road to a new energy economy – gets short-changed during the triage of his final days.
Bush has hinted that his legacy will be about the war. So be it. He never caught bin Laden, the mass murderer who launched the raison d’etre of the Bush presidency.
But he did topple a paper army in Iraq, opening the drainage for our currency, blood and global reputation. It may go down as the longest, even costliest war in our history.
In a survey of scholars done earlier this year, just two of 109 historians said the Bush presidency would be judged a success. A majority said he would be the worst president ever.
But if you don’t trust those elites in academia, consider the president’s own base.
Bush leaves with his party in tatters. In the 28 states that register by affiliation, Democrats have picked up more than 2 million new voters this year while Republicans have lost 344,000. It seems only fitting that it was the last of the Bush dead-enders in Congress earlier this week who jumped ship when presented with the final horrendous hangover from this man who doesn’t drink.
If ever there was an argument for voting against politicians who are confident about their cluelessness, Bush is it. So it was heartening to see that a majority of the country, in some polls, now views Sarah Palin as unqualified to be president.
We may have learned something, even if Bush has not.